Não pretendo me aprofundar muito, porém, é importante dar
uma passadinha rápida pela história da Black Music para que possam ser entendidos os elementos a serem considerados e abordados um pouco mais adiante
nesse texto.
Por definição estaremos entendendo como Black Music todo
e qualquer gênero musical, negro, de procedência afro-americana, foco da
nossa conversa.
O início da história se dá no período compreendido entre os
séculos XVII e XIX, com a chegada dos escravos da África para os Estados
Unidos, principalmente.
Durante esse período o canto comum que os negros entoavam
era o Spiritual, algo que poderíamos ter hoje como música religiosa ou algo do
tipo, considerada naquela época como o canto da libertação.
A partir daí muitas variações começaram a ocorrer e, de
forma bem resumida podemos elencar:
Século 20,
dominado pelo Gospel, Jazz e Blues.
Nas décadas de 50 e
60, época dos movimentos anti-raciais, imperava o crescimento da soul
music, dentro de um cenário de movimentos de liberalismo que fez com que a Black
Music ganhasse maior espaço e força nas rádios e noites americanas, destacando
músicas que reclamavam a ótica da condição negra com um forte apoio da Motown
que, em pouco tempo, se tornaria o grande nome dentre as gravadoras no cenário
musical americano.
Na década de 70 o
Funk Soul foi quem dominou as pistas de danças internacionais, inclusive as
brasileiras, abrindo espaço para uma maior apreciação da música do povo negro
em si.
A década de 80,
marcada pelo reinado dos Jackson Five, determinando o ponto alto do movimento,
impetrando coreografias contagiantes e passos marcados cheios de inovações e criatividades,
abrindo uma imensa lacuna para o surgimento de tantos outros grupos e ao Black Rhytm
Funk Soul Music.
Com o aporte de gravadoras em um cenário de crescente
evolução e aceitação, começou a nascer um processo de segregação no estilo
musical Black, surgindo então um cardápio musical composto de Blues, Jazz,
Gospel, Soul, Black Spirit, Funk, Charme, Rap, Ronck and Roll, Rhytm and Blues
e Hip Hop à disposição de apreciadores no mundo todo.
Pois bem, aqui começa de fato a nossa conversa.
No nosso imenso país tomado por uma grande população
afrodescendente, a Black Music também ganhou suas variações recheada de
histórias e de nomes merecedores de muito respeito, dentre os tantos posso
destacar com clareza - e já com o antecipado pedido de desculpas para os que se
sentirem ofendidos pela omissão de algum outro nome também tão importante e
grandioso, lembrando que nem estudioso do assunto sou, apenas mais um adepto -
Tim Maia, Gerson King Combo, Jorge Ben Jor, Sandra de Sá, Tony Tornado, Jair
Rodrigues, Wilson Simonal, Ed Mota, Paulo Diniz, Lady Zu, Gilberto Gil, Cláudio
Zoli, Sampa Crew, Thaíde & DJ Hum, Bennê dentre tantos outros.
Na época áurea da nova geração da Black Music, mais
precisamente nas décadas de 80, era notória a diferença de poder aquisitivo
entre a raça negra e a raça branca em todos os pontos onde existisse uma
comunidade negra que, além de enfrentar obstáculos para encontrar mídia em seu
favor, que possibilitasse divulgar sua descoberta sonora e, quando o
conseguiam, ainda tinha o agravante de que seus consumidores diretos, na mesma
condição de pobreza, pouco conseguiam adquirir os produtos gerados nas lojas
que os comercializavam.
Felizmente o material era de grande qualidade e aceitação
pública, graças ao sucesso que os negros norte-americanos faziam por todo o
canto do mundo.
Agora pensa.
Se não se conseguia consumir o produto nacional, quem diria
o internacional, com todas as limitações tecnológicas que existiam se
comparadas com os dias atuais.
Pois bem, para a alegria do nosso povo, nessa época existiam
as famosas fitas K7 e programas como os da Band FM, 96.1Mhz, que aventurava a
investir na Black Music com uma programação alternativa, empenhando-se em
apresentar os lançamentos e novidades da época, organizada com a participação
de DJs das grandes equipes e casas noturnas como Chic Show, Black Mad, Zimbabwe
e outras mais em programas como o Charm Dance, o Som da Massa e o Black in
Love.
Às quintas-feiras e sábados à noite, ali pela faixa das
22H00 era tiro certo ouvir a Band com a fitinha preparada no gravador.
Nessa época de dificuldades extremas, começaram a crescer
alguns movimentos específicos do interior.
Aqui em Piracicaba recebíamos as equipes de ponta para shows
que atraíam adeptos de toda a região.
As equipes vinham de São Paulo, com caixas e caixas de vinil
- enfim, como profissionais do ramo eles investiam e, por estarem num grande
centro, sempre traziam as "bolachas" do que tinha de melhor rolando
no cenário musical.
A dificuldade em adquirir as músicas fazia com que os LPS que
eles traziam nos parecessem ser raridade.
Por muitas vezes tínhamos que encomendar, reservar e até
pagar um pouco mais (não bastasse o valor extra que já havia embutido no preço
para disponibilizar o material aqui no interior) por um vinil, só para ter
AQUELE material com AQUELA música.
Era comum nos grandes shows os DJs arremessarem a capa de um
LP para o público, que se engalfinhava para pegá-lo e conseguir "na
faixa" um material "exclusivo" - ao menos por um tempo ele
ficaria nessa condição - pois de fato o normal seria demorar um tempinho para
que o mesmo chegasse a Piracicaba e, muitas vezes, poderia chegar num preço que
inviabilizasse não tornasse a aquisição do mesmo viável. Mas existia a santa
fitinha K7 que
permitia a cópia do LP como um todo e, como plano B, com um
pouquinho de sorte, a Band FM, tocando – ainda enquanto estivéssemos acordados,
pois muitas vezes deixávamos a fitinha gravando o programa inteiro e gerava um
pouquinho mais de trabalho para encontrar "aquela" música que
interessasse - para a gente gravar.
Com isso, uma disputa pessoal diferente passou a se criar.
Me lembro muito das “rodinhas da galera” onde declarava-se
com orgulho ter "tal música" ou ter comprado "tal LP".
Muitos nem emprestavam o seu precioso bem, pois LP, além de
riscar, tinha o poder extra-sensorial de sumir e criar uma grande confusão.
Nasciam nessa época os famosos DJs Piracicabanos, dos quais
muitos ainda estão em ação sempre que surge uma oportunidade.
Costumo denominar os DJs daquela época como os DJs de Vanguarda.
Muitos desses não conseguiram acompanhar a evolução da
tecnologia e nem mesmo da indústria fonográfica e acabaram estacionando pelo
caminho e perdendo o interesse pela caminhada, pois ficou muito complicado
migrar das Technics para os notebooks, sistemas operacionais, técnicas
inovadores e demais recursos que o avanço tecnológico trouxe como desafio aos
profissionais e adeptos dessa área.
Creio que o ponto crucial nessa transição, e agora falo dos DJs Contemporâneos, ficou exatamente no
preciosismo e valorização do acervo.
Hoje as redes sociais, sites de entretenimento e páginas
direcionadas aos mais diversos estilos e gêneros, permitem a aquisição de todo
e qualquer material de ponta em poucos clicks, por um valor totalmente acessível
quando há a incidência de custos.
A música mal sai do estúdio e rapidamente está disponível no
espaço cibernético para consumo público.
Mas ainda assim existem alguns DJs que insistem em
supervalorizar o produto e elevá-lo ao nivel de gema... ao nível de diamante de
quilate raro.
Sei lá... não entendo e nem vou entender o que isso vem
agregar para o universo musical e, talvez, nesse momento, nem mesmo a esse
texto.
O que acontece é que a Black Music continua produzindo muito
e quebrando tabus e recordes, vide Pharrell Williams com sua música Happy
quebando recentemente os recordes de download na rede mundial.
Hoje as versões exclusivas podem ser criadas livremente,
desde que se possua conhecimento técnico e musical suficientes para fazê-lo.
Acabou a briga... quem pode mais chora menos e quem entende
mais, cria algo melhor todos os dias.
Os grandes centros possuem os famosos TOP DJS e aos poucos o
universo da Black Music vem destacando os seus também.
Tenho observado muito as casas, rádios e tvs de nome
divulgando os "Top Djs" em sua maioria com todo um estilo nada
condizente com o mundo da Black Music, mas vendendo-se como Dj do gênero. Nem
por questão de raça ou cor, mas sim pela influência musical, enfim, até mesmo a
"black music" que eles tocam provém de uma linha com forte apelo comercial
e com pouco a ver (talvez nem haja algo a ver) com o Black Music que os adeptos
de fato curtem, o verdadeiro Black Style que toca a comunidade negra, seja pela
sonoridade ou até mesmo pelas letras.
Há todo um sincretismo nesse meio que me leva a respeitar a
classificação da música elencada como Black, mas que não me convence a
consumi-la.
Aqui no interior paulista, mais próximo de mim, existem
pontos de "Real Black Music" sendo executados com louvor em cidades
como Capivari, Tietê, Piracicaba, Limeira, Rio Claro, Araraquara dentre outras.
O movimento como um todo é muito interessante, podendo-se
identificar e diferenciar os veteranos, os novatos, os inovadores, os
saudosistas e tantos outros mais, porém, em movimentos separados para curtir um
mesmo gênero musical.
Observa-se nesses eventos a diferença comportamental, o
diferente tipo de energia que domina os bailes blacks conforme a aglomeração em
sua divisão de faixa etária, região geográfica e até mesmo preferência por
estilo dentro do mesmo gênero musical.
Trocando em miúdos pois essa passagem é importante e não
pode deixar dúvidas.
Noto que: Há eventos direcionados para o público mais jovem,
assim como existem eventos programados para público um pouco mais velho.
Por si só, já está delimitado qual será o público a “dominar”
os espaços em cada evento de Black Music que já estão previamente programados
para Piracicaba.
Frequentando esses eventos, fica muito claro essa separação
e, se frequentar todos, ficará muito claro também o comportamento do público no
evento.
A energia é diferente.
A experiência de cada um dos frequentadores também se
diferencia e, se por um lado define-se tribo, por outro perde-se o avanço
cultural, uma vez que no mesmo evento apesentam-se músicas do passado e do
presente.
Entendo isso como sendo algo natural do interior, uma vez
que, frequentando eventos na capital e até mesmo cidades maiores, pode-se observar
a “salada mista”, com público das mais diversas idades dividindo o espaço e o
entretenimento, o que entendo valorizar e fortalecer muito o movimento em si.
Abordarei melhor essa passagem em momento oportuno da
segunda parte desse material.
No próximo post tentarei trazer a visão mais polêmica de
alguns fatos e acontecimentos para que possamos refletir um pouco mais sobre o
movimento.
Vamos conversar um pouco sobre a postura do DJ Piracicabano
e, se me ajudarem, pois o espaço é para criar discussão e troca de opiniões,
entender se há ascensão através da resposta para duas perguntinhas SIM (ou não)
e por que?
Vamos trazer elementos para discutir um pouco as diferenças
(ou semelhanças) comportamentais na subdivisão dos grupos por gostos e interesses
dentro do cenário da Black Music local.
Gostaria de mencionar algo sobre o protecionismo, às vezes
radical, sobre o universo da Black Music e a possibilidade de integração com
outros estilos em um mesmo evento.
Quero deixar também uma pitada do sentimento que tenho
referente à Black Music, que não toca na TV, muito pouco nas rádios ou seja: é
som de gueto?
Quero mais é interagir e sempre trazer elementos que gerem
discussões saudáveis.
Para muito em breve, temos os seguintes eventos de Black Music elencados e, como são poucos e raros em nossa cidade, vale deixar as dicas aqui:
Clique nas imagens para expandir
“Quem fala que só curte jungle e que não gosta de mais nada
é hipócrita. Se eu entrar na casa dele, vou achar discos dos Bee Gees e Diana
Ross. A mesma coisa vale pra quem disse que só ouve house, se eu for pra dele
vou achar discos de rock e funk. E o mesmo vale pro cara que fala que só ouve
hip-hop, vou achar estilos diferentes na casa dele também. As pessoas gostam de
todos os estilos musicais. Elas se amarram num estilo e agem como se fosse
delas. Música é música”.
Afrika Bambaataa
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